Projeto de Lei contra violência policial em manifestações recebe parecer favorável

Por Gabriel Elias

Em tempos de notícias tão ruins quanto o pedido de aprovação de projetos de lei que tipificam o crime de terrorismo por senadores como Jorge Viana, do PT do Acre; a apresentação de uma proposta de tipificação do crime de desordem pelo Secretário de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame; e a elaboração de uma proposta para criminalizar manifestações pelo Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo; temos que celebrar quando recebemos uma notícia boa. O Projeto de Lei 6500/2013, do Dep. Chico Alencar (PSol/RJ), que controla as atividades policiais em manifestações, recebeu parecer favorável do seu relator na Comissão de Direitos Humanos, Deputado Henrique Afonso (PV/AC).

Esse projeto, que pode ser lido na íntegra aqui, foi apresentado no final do ano passado como uma reação às terríveis imagens, vistas por todo o Brasil, da intensa repressão policial a que protestos em todas as cidades do país sofreram. Enquanto os parlamentares estavam preocupados em proibir uso de máscaras em manifestações, quase nenhuma proposta foi apresentada para coibir a violência policial criticada pela Anistia Internacional, Justiça Global e até pela Organização das Nações Unidas.

O Projeto traz avanços concretos no controle da atividade policial em manifestações políticas e outras situações. Se o texto for aprovado teremos mais um instrumento para reagir a diversas cenas que marcaram a sociedade brasileira pela violência das forças de segurança contra cidadãos.

Ao longo desse último ano tivemos jornalistas impedidos de atuar, sofrendo violência e midialivristas até presos. Entre os diversos pontos de extrema importância desse projeto está a proteção dos jornalistas, outros profissionais da mídia e midialivristas garantindo especial proteção em sua atuação. De acordo com o texto do Projeto:

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Art. 6º As atividades exercidas por repórteres, fotógrafos e demais profissionais de comunicação ou quaisquer cidadãos no exercício
dessas atividades são essenciais para o efetivo respeito ao direito à liberdade de expressão, no contexto de manifestações e eventos públicos, bem como na cobertura da execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse.
§ 1º Os repórteres, fotógrafos e demais profissionais de comunicação, bem como quaisquer cidadãos no exercício dessas atividades, devem gozar de especial proteção em sua atuação, sendo vedado qualquer óbice a ela por parte de agentes do Estado, em especial mediante uso da força.
§ 2º É vedado aos agentes do Estado destruir, danificar ou apreender à força, ainda que temporariamente ou para fins de investigação, os instrumentos utilizados por comunicadores profissionais ou amadores, tais quais câmeras e celulares, ou os materiais produzidos por eles.

Outro ponto relevante do Projeto é o controle do uso de armas menos letais pelas polícias. A proibição do uso de armas menos letais já foi pedida pela Defensoria Pública do Distrito Federal. Com a aprovação desse Projeto, “porque eu quis” não poderá mais servir de justificativa para o uso de armas (que são, sim, armas!) indiscriminadamente contra a população. E proíbe o uso de gás lacrimogêneo, que teve até seu uso em guerras banida pela convenção sobre uso de armas químicas. Pelo texto:Imagem

Art. 5º O uso de armas de baixa letalidade somente é aceitável quando comprovadamente necessário para resguardar a integridade
física do agente do Poder Público ou de terceiros, ou em situações extremas em que o uso da força é comprovadamente o único meio possível de conter ações violentas.

§ 1º Para os fins desta Lei, armas de baixa letalidade são entendidas como as projetadas especificamente para conter temporariamente pessoas, com baixa probabilidade de causar morte ou lesões corporais permanentes.
§ 2º O porte e uso de quaisquer armas de baixa letalidade somente é admitido mediante autorização expressa do Chefe do Poder
Executivo ao qual está subordinada a corporação policial.
§ 3º Não devem ser utilizadas, em nenhuma hipótese, em manifestações e eventos públicos, nem na execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse, as seguintes armas:
I-Armas que possam causar lesões corporais graves e até a morte, como de eletrochoque, com munição de borracha, plástico e outras de igual ou maior potencial ofensivo;
II-Bombas de efeito moral e quaisquer outras armas que tenham a função de atingir indiscriminadamente a população, provocando dispersão generalizada;
III-Armas químicas, como gás lacrimogêneo.

§ 4º Não deverão, em nenhuma hipótese, ser utilizadas por agentes do Poder Público armas contra crianças, adolescentes, gestantes, pessoas com deficiência e idosos. Imagem

O triste da situação tão surreal que estamos vivendo em relação à violência policial é que até o que é obvio precisa ser defendido com unhas e dentes, como é o caso do parágrafo quarto desse texto, que proíbe o uso de armas contra crianças, adolescentes, gestantes, pessoas com deficiência e idosos.

A justificativa dada pela Polícia Militar para usar a violência indiscriminadamente contra toda uma manifestação – inclusive contra manifestantes pacíficos – por haver alguns vândalos, ou Black Blocs, ou baderneiros, como ouvimos falar tanto nesses últimos tempos, também fica limitada pelo Projeto. Isso garante a segurança e a liberdade de expressão para o cidadão e a cidadã que quer intervir politicamente nas ruas usufruindo do direito de se manifestar que o Estado não pode impedir. De acordo com o texto:

§ 5º Os agentes do Estado não devem dispersar manifestações majoritariamente pacíficas a pretexto de conter ações violentas
de pequenos grupos em seu interior. O uso da força deverá ser feito de maneira progressiva, pontual e focada, somente enquanto se fizerem presentes as justificativas previstas no caput.Imagem

Além de todos esses pontos, o texto estabelece que os agentes das forças de segurança devem estar sempre acompanhados de uma equipe de agentes desarmados especializados em mediação de conflitos visando à sua solução pacífica. Ainda garante o diálogo permanente das forças de segurança com observadores dos direitos humanos, que devem gozar de especial proteção no exercício de suas atividades, vedando qualquer óbice a sua atuação, especialmente mediante o uso da força.  Isso é bem diferente do que vemos quotidianamente nas manifestações no país, como este abaixo em que um membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB que buscava mediar um conflito é violentamente atacados pela Polícia Militar do Distrito Federal.

De acordo com o relator da proposta na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, as manifestações recentes “demonstraram o despreparo das forças policiais dos estados em lidar com situações de conflito em meio a manifestações populares”. O deputado destacou a truculência e a ineficiência dos métodos da polícia que, segundo ele, ” não cumpriu os objetivos de garantir a livre manifestação, a segurança da população, e nem mesmo foi capaz de deter episódios de depredação do patrimônio público e privado que perpassou vários dos atos públicos realizados”.  Para o Deputado acreano, “o projeto coloca em debate uma mudança de paradigma para o funcionamento das instituições policiais de todo o país: ter atuação pautada pelo princípio da não violência em contraste com um inequívoco histórico de sistemáticas violações de direitos humanos por parte dos agentes destas instituições.”

Esse relatório ainda precisa ser votado na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, se aprovado, segue para a Comissão de Segurança Pública e depois para a Comissão de Constituição e Justiça. Se aprovado em todas essas comissões o projeto ainda vai para o Senado e somente depois pode ser sancionado. A história legislativa brasileira mostra que somente com muita pressão popular somos capazes de garantir avanços concretos para a população. Temos que usar a boa experiência da mobilização da sociedade para a aprovação do Marco Civil para aprovar também essa lei que garante nossos direitos de exercício de cidadania.

 

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5 respostas para Projeto de Lei contra violência policial em manifestações recebe parecer favorável

  1. Haroldo Lago disse:

    A cada ato, a cada manifestação, os abusos se sucedem sem que nada se faça para punir os que os cometem. O Projeto de Lei 6500/2013, que visa controlar as atividades policiais em manifestações precisa ser amplamente divulgado, aprovado e posto em prática. Acaso alguém acredita que todos esses abusos são resultado de ‘eventual destempero do ser humano fardado’?! O discurso oficial me causa náuseas. A repressão é do governo e executada pela PM. Coisas típicas de regimes totalitários. “A ação policial também está sendo investigada pela Corregedoria da Polícia Militar”. Sei. E quem acredita nessas ‘investigações’? Os abusos cometidos por PMs ensandecidos sempre que registrados precisam ser denunciados. Sabemos que, embora o discurso oficial seja legalista, jamais irão apurar e punir. Toda essa ação intimidatória visa desestimular manifestações futuras apostando no medo para o esvaziamento, e conta com a cumplicidade oficial. Não vai adiantar. Não vão nos calar! A luta está apenas no início do princípio do começo. Não basta espancar manifestantes. É preciso acabar com os motivos que levaram aos protestos!

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